O desafio de ensinar música ”na escola” em tempos de isolamento
Apresentamos um trecho do artigo escrito pelo professor especialista aqui do SANFRA, Alexander Pereira, no qual abordou o desafio de ensinar música na escola nos tempos de isolamento.
“A pandemia de Covid-19 fez com que aquilo que em tempos de calmaria era corriqueiro, passasse a ser proibitivo, como ir para a escola. Em tempos de pandemia, o espaço físico da escola não pôde ser usado, para evitar contaminação. Aquele lugar que possuía as condições necessárias para o fazer musical em conjunto, agora precisa ser evitado, com o agravante de não sabermos por quando tempo ficaríamos confinados em nossas próprias casas. As condições favoráveis, encontradas no espaço da escola, deixaram de existir. “A escola é um espaço ideal para o fazer musical. Os alunos estão juntos e disponíveis, e não é difícil motivá-los a participar de atividades musicais, se o professor tiver competência para isso” (FONTERRADA, 2005, p. 272).
Até dezembro de 2022, é o tempo mais agudo da pandemia de Covid-19, no Brasil. A humanidade inteira precisou se reinventar, criar caminhos, novo proceder, com os professores não foi diferente. O Governo de São Paulo anuncia em 13 de março de 2020 a suspenção das aulas presenciais. A sala de aula estava lá, mas os estudantes, de modo compulsório, não. Em função da grande possibilidade de contágio e da letalidade da doença, o caminho a ser seguido era o de ficarmos em casa, e, de lá, fazer o que era possível, nos reinventamos. A pandemia de Covid-19 fez com que aquilo que em tempos de calmaria era corriqueiro, passasse a ser proibitivo, como ir para a escola. Em tempos de pandemia, o espaço físico da escola não pôde ser usado, para evitar contaminação. Aquele lugar que possuía as condições necessárias para o fazer musical em conjunto, agora precisa ser evitado, com o agravante de não sabermos por quando tempo ficaríamos confinados em nossas próprias casas. As condições favoráveis, encontradas no espaço da escola, deixaram de existir. “A escola é um espaço ideal para o fazer musical. Os alunos estão juntos e disponíveis, e não é difícil motivá-los a participar de atividades musicais, se o professor tiver competência para isso” (FONTERRADA, 2005, p. 272). O artigo mostra que, a despeito da impossibilidade de aulas presenciais, buscou-se caminhos para que se continuasse a ensinar música musicalmente no Colégio São Francisco Xavier, valorizando a escuta do estudante e buscando promover e incentivar o flow criativo, mesmo através de uma tela, compulsória durante o período mais agudo da pandemia de Covid-19.
Inclusive em tempos de pandemia. “Pois a música, ao libertar-se inteiramente dos objetos, move-nos para muito além de nós mesmos e da ordinária geometria euclidiana de ruas e arranha-céus, paredes e mapas” (SCHAFER, 2019, p. 49). A aquisição de conhecimento é um processo gradual, acumulativo, no qual a escola, o professor e o estudante têm papeis muito importantes que se relacionam. Na pandemia, a sociedade teve que mudar sua forma de agir e a escola física deixou de atender a sociedade, nossa forma de ver e aquilo que passamos a ver, mudou. Na República, Aristóteles convida Glauco a comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna. A República mostra o importante papel da educação, e o importante papel da música, são elas que nos mostram para que lugar devemos olhar. Platão na República, livro VII, nos ensina que devemos nos mostrar decentes em todas as circunstâncias e que devemos permanecer bons e guardarmos a música que aprendemos, então seremos úteis a nós mesmos e à cidade. Quais são os mitos e as sombras, tidos como verdadeiros, sobre os quais devemos lançar luz, a luz do conhecimento e quais são as dificuldades para fazê-lo, em tempos de pandemia, dentro da caverna (de modo compulsório em função da pandemia) ou fora dela.
Olhando por uma fresta em minha caverna procuro ver a realidade dos estudantes. Será que o que vejo, são eles? Esse é um dos muitos desafios a serem vencidos, busco o olhar deles (filtrado por uma tela), busco animá-los e manter-me animado. Durante a pandemia, nas aulas online, dediquei algum tempo, no finalzinho de algumas aulas para motivá-los, para além do conteúdo, dizia a eles que isso era passageiro e que voltaríamos a nos reunir presencialmente, sempre pedindo a eles que se cuidassem, que o mundo havia mudado, que o aumento do cuidado com limpeza das mãos viera para ficar, e então nos despedíamos, eu sempre estava com um sorriso no rosto, e um grande aceno de mão, atravessando toda a tela deles.
aliento, como ponto positivo, que o colégio onde trabalho (São Francisco Xavier, o Sanfra, no Ipiranga), disponibilizou durante toda a pandemia, um notebook para todos os professores com os programas necessários para as aulas remotas. Gostaria de começar a escrever sobre os desafios encontrados apresentando aqui uma lista de dificuldades encontradas por mim durante os quase dois anos em que as aulas passaram a ser remotas e, quais foram as atitudes tomas por mim na busca de resolução dos problemas encontrados ao longo desses dois anos: (1) falta de traquejo na utilização dos aplicativos que seriam utilizados por mim; (2) falta de instrumentos musicais na casa dos estudantes; (3) falta de interação, perda completa das mostras coletivas e constrangimento do estudante no momento de mostrar um resultado artístico individual; (4) delay entre a comunicação; (5) entender quando falar e quando ouvir; (6) reformulação dos planos de aula; (7) ter os pais, em muitos momentos, participando das aulas online; (8) manter os alunos motivados nas aulas; (10) perda do poder de escuta.
A importância de ouvir e a perda do poder de escuta
Não é de hoje que a humanidade vem perdendo seu poder de escuta. A escola deve se preocupar com isso, e as aulas de música podem contribuir muito sob esse aspecto, valorizando-a e sugerindo caminhos que nos levem a estar mais bem preparado para o que o mundo exterior nos diz. A escuta e a paisagem sonora vêm se transformando ao longo do tempo. “Martinho Lutero escreveu que todo europeu nascera dentro do cristianismo, ele estava meramente endossando uma circunstância que, em seu tempo, era inevitável. Aqueles que podiam ouvir os sinos estavam na paróquia, aqueles que não podiam, estavam na selva” (SCHAFER, 2019, p. 41).
Uma das atividades propostas por mim, durante as aulas remotas, foi a intensificação da escuta. Com cada estudante em sua casa, o barulho na “sala” era quase nenhum, a possibilidade de escuta aumentou. Ouvimos muito e cantamos muito, inclusive em inglês, que é um dos interesses da escola, em nenhum outro momento tive a oportunidade de ouvir individualmente os estudantes. Não era possível cantar coletivamente, mas isso será tratado mais à frente. “Podemos ver que a música não somente possui um papel na reprodução cultural e afirmação social, mas também potencial para promover o desenvolvimento individual, a renovação cultural, a evolução social, a mudança” (SWANWICK, 2003, p. 40). A harmonia foi, de modo compulsório, substituída pela melodia feita por uma única voz. As diferentes velocidades de transmissão e recepção de dados impossibilitaram que duas ou mais pessoas, participantes da “sala de aula” cantassem simultaneamente, a música colaborativa deixou de existir nesse tempo. O canto coletivo, mesmo que em uníssono, deixou de soar na “escola”. Esse coletivo foi substituído pelo canto individual, no começo, poucos estudantes se voluntariavam, com o tempo, pelo menos setenta por cento da sala mostrava o seu resultado sonoro, que era sempre estimulado por mim. Outro elemento que surgiu com maior intensidade foi a língua inglesa. O Sanfra não é um colégio bilingue, mas investe intensamente na imersão na língua inglesa com aulas diárias. Parte das aulas, principalmente no 4º e 5º ano (crianças com 9 e 10 anos de idade) eram dedicadas ao entendimento do texto de canções como Yellow Submarine e Here Comes The Sun, dos Beatles. A arte cumpria seu papel social, na medida que existia cantor e plateia e essas posições se intercambiavam”.
Trecho do livro: ESCRITAS DIVERSAS: NARRATIVAS MULTIFACETADAS com participação do professor: Alexander Pereira